Imprensa e analistas veem derrota de Biden no debate mas negam vitória de Trump
Imprensa e analistas norte-americanos rejeitam Donald Trump como vencedor do histórico debate presidencial norte-americano de quinta-feira, sendo quase unânimes em dar Joe Biden como derrotado, após um desempenho criticado mesmo entre democratas.
Na noite de quinta-feira, o Presidente octogenário apresentou-se com problemas de voz, respostas incoerentes e lapsos verbais que conseguiram ofuscar as cerca de 30 falsas afirmações – segundo contagem da CNN – que o rival republicano apresentou num registo calmo e confiante.
Num artigo de opinião publicado no jornal Politico, o analista Jeff Greenfield considerou que Biden registou o “pior desempenho de debate na história americana”, frisando que, “apesar de ter espalhado uma série de mentiras, Trump saiu-se melhor” do que o democrata.
“Este foi o pior desempenho de qualquer candidato presidencial às eleições gerais em qualquer debate na história americana moderna. Nada no passado – nem o suor de Richard Nixon em 1960, nem a serpenteante viagem de Ronald Reagan pela estrada da memória em 1984, nem a indiferença vazia de Barack Obama em 2012 – chega perto do que testemunhamos, através das mãos que cobriram milhões de olhos”, escreveu Greenfield.
O analista defendeu ainda que o desempenho de Biden, “desde a sua primeira resposta apressada e desfocada sobre a economia até à sua declaração final desconexa”, sugeriu que o democrata “estava totalmente impreparado para apresentar um argumento coerente para o seu segundo mandato”.
Sobre Trump, Jeff Greenfield avaliou que o magnata foi “disciplinado e concentrado” durante o debate, mas frisou que apresentou um “tsunami de desonestidade”, “desde a noção ridícula de Trump de que todo o estudioso constitucional queria acabar com o ‘Roe v Wade’ (direito constitucional ao aborto) até à sua afirmação de que nunca teria rotulado militares e mulheres de ‘parvos e perdedores'”, apesar de o seu antigo chefe de gabinete o ter confirmado.
“‘Deus nos ajude'”: foi com esta frase que o jornal New York Times começou um texto com a opinião de 12 dos seus colunistas e colaboradores sobre o desempenho de Biden e Trump no primeiro debate presidencial.
“Biden perdeu este debate por uma razão simples: ele mostrou a sua idade de uma forma que não pode ser distorcida e explicada”, disse o jornalista David French, sublinhando que, apesar do “desempenho totalmente desonesto” de Trump, os eleitores com pouca informação não saberão o quanto o magnata mentiu.
Trump “despejou uma mangueira de incêndio de mentiras absurdas, mas Biden era incoerente demais para capitalizar qualquer uma delas”, escreveu por sua vez Michelle Goldberg, observando que Biden “parecia idoso e parecia perdido”.
“Agora haverá um novo coro de gritos para que Biden desista, e eu vou juntar-me a ele”, acrescentou.
A questão da idade dos candidatos – especialmente os 81 anos de Biden – tem estado em destaque nos últimos meses, com o atual chefe de Estado a ser alvo frequente de troça por parte do seu oponente de 78 anos.
Biden, que é o Presidente em exercício mais velho da história norte-americana, tinha o desafio de demonstrar durante o debate a sua capacidade física e mental para derrotar Trump e liderar o país por mais quatro anos.
Contudo, a tarefa mostrou-se difícil, perante um Trump contido e imperturbável, mas que recorreu a afirmações falsas várias vezes ao longo do debate.
De acordo com um levantamento feito pela CNN, Trump fez cerca de 30 falsas afirmações, contra nove de Biden.
Noutro artigo de opinião, o correspondente político norte-americano da revista Rolling Stone, Tim Dickinson, considerou que a grande derrotada da noite foi a “América”, após “testemunhar o nível mais baixo da política eleitoral” do país.
Face ao “desastroso” desempenho de Biden, um artigo de opinião do Washington Post alertou para o “Grande Surto Democrata” que se avizinha.
A colunista Karen Tumulty avaliou que será difícil, mesmo para os funcionários mais criativos da campanha de Biden, fabricar uma narrativa de vitória a “partir do seu terrível desempenho no debate de quinta-feira”.
“Não há dúvida de que se falará em abrir a convenção democrata em Chicago, em agosto, para escolher um novo candidato”, advogou, apesar de garantir que a turbulência que uma decisão dessas criaria seria “catastrófica”.
Tumulty acredita que Biden perdeu o debate logo nos primeiros momentos, com uma surpreendente voz fraca e rouca, problema ao qual se seguiu uma luta para encontrar as palavras certas e uma linha de pensamento.
“Foi um contraste drástico com o vigoroso Biden que proferiu um robusto discurso sobre o Estado da União em março”, avaliou.
Ana Marie Cox, colaboradora de política da CNN, admitiu ter ficado de “coração partido” a assistir Biden.
“O meu coração e a minha esperança de que a América se esquivaria de um segundo golpe do ex-presidente Donald Trump afundaram”, lamentou.
Já para o comentador da CNN Shermichael Singleton, Donald Trump superou as expectativas, ao manter-se “disciplinado, calmo, confiante e estável”, mostrando que tinha noção da importância crítica deste debate.
Este primeiro debate presidencial de 2024 teve a duração de 90 minutos, com dois intervalos comerciais, e decorreu num estúdio do canal CNN em Atlanta, estado da Geórgia, com a moderação dos jornalistas Jake Tapper e Dana Bash.
O debate, que colocou frente-a-frente Biden e Trump pela primeira vez em quatro anos, aconteceu num momento em que as sondagens mostram uma disputa acirrada entre os dois candidatos e quando faltam menos de cinco meses para as eleições presidenciais.
Para evitar a repetição das cenas caóticas registadas em debates anteriores, foram ditadas regras incomuns, como um debate sem público, o silenciamento dos microfones quando o candidato rival estiver a falar ou a proibição dos candidatos trocarem ideias com a sua equipa durante os intervalos ou de levarem notas escritas para o palco.
Biden e Trump deverão voltar a enfrentar-se em 10 de setembro, num segundo debate organizado pela rede ABC News.
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