Jornalista luso-descendente que expõs abuso por padres nos EUA antecipa outros escândalos

O jornalista luso-descendente Michael Rezendes, que revelou abusos sexuais por padres católicos nos Estados Unidos, disse à agência Lusa que antecipa que haverá escândalos semelhantes em todos os lugares onde a Igreja esteja implantada.

Em entrevista à Lusa, o jornalista cujo trabalho de investigação no jornal The Boston Globe inspirou o filme vencedor do Óscar “O Caso Spotlight”, acredita que a igreja continua a ser uma instituição “resistente a mudanças”.

Rezendes, premiado pela investigação de abusos sexuais na Igreja Católica, “não está surpreendido” com os mais de 400 testemunhos validados pela Comissão Independente em Portugal e acredita que mais escândalos surgirão ao redor do mundo.

Após mais de 20 anos a investigar o encobrimento de abuso sexual infantil na Igreja Católica, Rezendes disse à Lusa que acredita “que o escândalo de abuso do clero irromperá, mais cedo ou mais tarde, onde quer que a Igreja Católica tenha uma presença consistente”.

“Não tenho acompanhado muito de perto a história da Comissão Independente em Portugal, mas estou ciente das suas conclusões e não estou surpreendido”, disse Rezendes, neto de portugueses oriundos dos Açores, que evitou comentar sobre a possibilidade de eventuais condenações, uma vez que não analisou “o papel do sistema criminal” no caso português.

A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa – constituída por decisão da Conferência Episcopal Portuguesa e coordenada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht – revelou em 11 de outubro que já recebeu 424 denúncias.

Contudo, na ocasião, a Comissão assumiu que a maior parte dos crimes reportados já prescreveu, havendo 17 casos enviados para o Ministério Público.

As denúncias de abusos sexuais de menores pela Igreja Católica tornaram-se mais frequentes no final do século XX e início do século XXI, mas a maioria foi encoberta e raramente desencadeou ações judiciais com consequências para os abusadores.

As queixas sobre tais casos foram recebidas pela hierarquia da Igreja Católica quase sempre com ceticismo e desvalorização dos testemunhos.

Em alguns países, bispos e cardeais a quem foram comunicados casos – muitos dos quais em contexto escolar – argumentaram que, não sendo o abuso sexual de menores um crime público, não eram obrigados a denunciá-los às autoridades civis, pelo que acabavam por ser, em vez disso, ignorados pelas autoridades canónicas.

Rezendes e a sua equipa revelaram um enorme escândalo de pedofilia dentro da igreja católica e décadas de encobrimento aos mais altos níveis nos Estados Unidos.

Depois do primeiro artigo publicado pelo The Boston Globe, em 06 de janeiro de 2002, que levou à resignação do cardeal de Boston, Bernard Shaw, o jornalista e os colegas assinaram mais de 600 artigos e denunciaram quase 250 clérigos.

Questionado sobre o impacto que todas estas descobertas e denúncias terão para a igreja, o jornalista avalia que “ainda é muito cedo para se saber”.

“Nos Estados Unidos, a igreja pagou milhares de milhões de dólares em compensação aos sobreviventes de abuso sexual do clero. Mas continua a ser uma instituição muito rica e, em vários aspetos, resistente a mudanças”, sublinhou.

Sobre a sua experiência pessoal no campo da investigação, Michael Rezendes, que ganhou o prémio Pulitzer de Serviço Público em 2003 pelo trabalho de investigação no The Boston Globe, indicou que o seu interesse sobre este tema surgiu muito antes do caso Spotlight.

“Não consigo lembrar-me com precisão, mas o meu interesse data de muito antes (…) de publicarmos a nossa primeira história, em 06 de janeiro de 2002. Por pelo menos uma década antes disso, os escândalos de abuso do clero eram notícias de primeira página em várias partes dos Estados Unidos, incluindo nos estados de Louisiana, Texas e Massachusetts. Além disso, o escândalo já tinha rebentado na Irlanda, na época um dos países mais católicos da Europa”, relembrou.

Contudo, apesar de ter “mergulhado profundamente” nos escândalos da igreja, Rezendes garante que nunca sofreu “nenhuma pressão significativa” que tentasse impedir o seu trabalho.

“Antes da publicação da nossa primeira história, especulámos que os assinantes católicos boicotariam o Boston Globe. Mas os nossos editores seguiram em frente e nunca houve qualquer menção a um boicote, pelo que me lembro”, disse.

MYMM (ANC/JLG/AYS) // APN

Lusa/Fim

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