Um dos mitos do cancro é “pensar-se que se trata de uma única doença”
O bioquímico britânico Paul Nurse, que recebeu o prémio Nobel de Fisiologia e Medicina em 2001, considerou esta sexta-feira que um dos maiores mitos relacionados com o cancro “é pensar-se que se trata de uma única doença”.
“É um mito, pensarmos que o cancro é uma doença única. De facto, trata-se de um número grande de doenças, cerca de 300 ou 400, que têm uma característica comum: a reprodução celular descontrolada”, disse à agência Lusa o cientista, a propósito de uma sessão sobre o ciclo do controlo celular, que decorre hoje no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S).
Segundo o investigador inglês que na década de 1970 descobriu como é controlado o ciclo celular em todos os organismos – através do estudo de células de levedura -, esse é um dos motivos pelos quais é “tão difícil tratar o cancro: existem muitas doenças diferentes no cancro”.
A descoberta do controlo do ciclo celular revolucionou o conhecimento sobre patologias onde esse ciclo é afetado, com grande impacto nas doenças em que ocorre proliferação descontrolada das células, como é o caso do cancro.
Outro dos mitos associados ao cancro prende-se com o facto de a doença ser causada “somente por fatores externos”, referiu Paul Nurse, que em 2001 foi galardoado com o prémio da academia sueca, distinção partilhada com dois outros investigadores cujos contributos foram igualmente relevantes para o estudo do ciclo celular.
“O cancro pode, de facto, ser causado por fatores externos. O mais óbvio: quem fumar tabaco tem mais probabilidade de desenvolver cancro do pulmão e quem tem pele clara e se expõe ao sol, sem proteção, tem mais probabilidade de ter cancro de pele”, indicou o investigador, que foi diretor da Universidade Rockefeller, em Nova Iorque.
Contudo, continuou, existem outros fatores que influenciam a doença, como a herança genética herdada dos pais.
Além disso, “de todas as vezes que uma célula se divide e se reproduz, ocorrem erros”, o que vai decorrendo “ao longo da vida de todos os seres humanos”, continuou o presidente da instituição académica Royal Society entre 2010 e 2015.
“Consoante se vai envelhecendo, esses danos podem acumular, não havendo nada que se possa fazer acerca disso. Só o facto de estarmos vivos vai resultar em danos nos genes que podem provocar cancro e, quanto mais tempo vivemos, maior a probabilidade de ocorrerem incidentes”, notou o investigador britânico, que trabalhou no Imperial Cancer Research Fund (atualmente Cancer Research UK), do qual se tornou diretor em 1996.
De acordo com Paul Nurse, apesar das melhorias conseguidas no tratamento do cancro, este nunca poderá ser erradicado, visto que, embora seja possível alterar os fatores externos que podem originar a doença, o mesmo não acontece com a herança genética recebida dos pais e com a divisão celular.
“O que estamos a aprender é a controlar a divisão celular, principalmente através da manipulação do sistema imunitário”, de forma “a se controlar uma parte do processo”, reduzindo assim os riscos.
Relativamente à prevenção, o “grande problema” identificado pelo cientista prende-se com o facto de, na comunidade científica, haver investigadores que utilizam somente a genética para estudar o cancro, enquanto outros estudam somente os fatores externos, quando, na realidade, “ambos são importantes e precisam de ser estudados juntos”.
“Não é suficiente saber muito sobre os genes ou sobre os fatores externos que podem levar a doenças, o que é mesmo importante é estudá-los juntos”, acrescentou.
Paul Nurse, que passou também pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, defende que a informação credível sobre o cancro provém de estudos epidemiológicos que envolvem “amostras significativas e controladas”, a partir dos quais é possível conseguir “resultados e evidências sensíveis e criteriosas”, sendo nesses que “as pessoas devem acreditar”.
O cientista inglês foi responsável pela criação do Francis Crick Institute, do qual se tornou diretor em 2011, um centro de investigação sediado em Londres que junta várias instituições no mesmo espaço, à semelhança do que acontece no i3S.
Segundo Paul Nurse, através do trabalho desenvolvido no centro, os investigadores têm procurado “entender como a vida funciona e como usar essa informação e conhecimento para pensar de forma correta sobre as doenças e sobre como as controlar”.
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Lusa/fim