Paris2024: Pichardo saltou para a prata ainda sem recorde do mundo

Pedro Pablo Pichardo fez hoje esquecer todas as polémicas deste ciclo olímpico com um salto para a prata em Paris2024, que não o deixou ainda cumprir o sonho de bater o recorde do mundo como cidadão português.

Embora não tenha conseguido defender o título olímpico no triplo salto, perdendo novamente para o também cubano naturalizado espanhol Jordan Díaz, com quem teve um ‘atrito’ nos Europeus de Roma, um ‘voo’ de 17,84 metros deu-lhe a segunda medalha olímpica, que culmina um atribulado percurso rumo a estes Jogos, onde se chegou a pensar que não estaria.

De rosto sisudo e feitio difícil e individualista, incompatibilizou-se com o Benfica, clube que lhe deu a ‘mão’ quando desertou de Cuba, e particularmente com a sua ‘mentora’ Ana Oliveira, mas também com Nélson Évora, com quem protagonizou uma lamentável troca de palavras, acumulando polémicas desde que se sagrou campeão mundial em 2022 – chegou mesmo a criticar a falta de reconhecimento que os atletas de modalidades têm por parte dos portugueses.

“Chegados a este ponto, a minha convicção é que o Pedro Pichardo vai sair de Portugal. Não vai mudar de nacionalidade – é a minha convicção, posso estar enganado -, mas vai sair de Portugal. Provavelmente, vai procurar um clube que lhe pague bem, porque, entretanto, a relação com o Benfica, por força da relação com a coordenadora do projeto olímpico [Ana Oliveira], é a pior possível. Não se podem ver um ao outro. E, da parte do Benfica, nunca houve capacidade de ultrapassar esta situação”, analisou o presidente do Comité Olímpico de Portugal, José Manuel Constantino, em entrevista à Lusa no Natal de 2023.

Antes de conquistar hoje a prata em Paris2024, Pichardo foi o único atleta dos 73 da Missão portuguesa que recusou prestar declarações à partida de Portugal, algo que repetiu na zona mista do Stade de France, quando nem parou junto dos jornalistas que o esperavam depois de ter garantido a presença na final do triplo salto.

O saltador falhou também a apresentação da Missão e a receção no Palácio de Belém, em Lisboa, sem dar explicações ao Comité Olímpico de Portugal. “Não é uma personalidade fácil, é uma personalidade que tem de ser gerida com muito cuidado, mas o COP […] tem tido uma relação perfeitamente normal, cordial e colaborante”, resumiu Constantino, em entrevista à agência Lusa, antes destes Jogos.

Em litígio com o clube da Luz e com problemas físicos – esteve praticamente um ano sem competir, mais concretamente desde 05 de maio de 2023 -, a sua presença em Paris2024 chegou a estar em dúvida.

Mesmo depois de ter alcançado os mínimos para estes Jogos, logo no primeiro salto da época, Pichardo recusava-se a aceitar o processo de filiação na plataforma da Federação Portuguesa de Atletismo e ainda hoje está por esclarecer quando e como foi feito, até porque o seu diferendo com o Benfica, com quem tem contrato até Los Angeles2028, está longe de estar resolvido.

Polémicas à parte, o agora duas vezes medalhado olímpico nasceu em Santiago de Cuba, no dia 30 de junho de 1993 e, desde cedo, mostrou que estava reservado para grandes ‘voos’, o maior dos quais aconteceu em Tóquio2020, onde se sagrou campeão olímpico do triplo salto.

Este foi só mais um dos palcos mundiais a ser conquistado por Pichardo, que se sagrou campeão do mundo de juniores, em 2012, vice-campeão absoluto no ano seguinte, e se juntou, em 2015, ao exclusivo lote de triplistas a voar mais de 18 metros, onde figuram, entre outros, o recordista mundial Jonathan Edwards, com 18,29 de Edwards.

Depois de ter falhado a estreia olímpica no Rio2016, por decisão dos médicos da seleção cubana, devido a uma microfratura num tornozelo, Pichardo desentendeu-se com a federação, que não o deixava ter o pai – que é a sua sombra – como treinador e foi suspenso.

Em abril de 2017, desertou de um estágio da seleção em Estugarda, na Alemanha, rumou a Portugal, onde foi acolhido como refugiado e assinou pelo Benfica, graças à intervenção da responsável pela modalidade, e também antiga saltadora, Ana Oliveira, com quem agora está incompatibilizado.

“Tomámos conhecimento da decisão do Pedro e, seguindo a estratégia da direção do Benfica, fizemos um convite, que foi aceite de imediato, porque já conhecia o clube. Depois, tudo correu de forma natural, apesar de algumas pessoas não terem percebido o impacto desta contratação. Estamos orgulhosos pelo que fizemos, porque agora o Pedro é um português integrado e realizado na sua vida”, explicou Ana Oliveira, em declarações à Lusa.

O então cubano era a resposta à transferência de Évora para o rival Sporting e, sete meses depois, em novembro de 2017, naturalizou-se português – um processo que só ficou concluído para a federação internacional em outubro do ano seguinte –, tendo, na estreia com as cores nacionais, sido quarto nos Mundiais de 2019, antes de conquistar o título de campeão europeu em pista coberta de 2021.

Avesso a entrevistas, apreciador do Algarve, que lhe faz lembrar a sua terra natal, e de comida portuguesa, à exceção do tradicional bacalhau, apoderou-se do recorde nacional em 2018, ao saltar 17,95 na etapa de Doha da Liga de Diamante, que viria a conquistar, melhorando-o em 11 de junho último, para 18,04 – insuficientes, tal como hoje, para superar Jordan Díaz.

“O Pedro é muito inteligente e tem uma enorme capacidade de aprendizagem e decisão. É um autodidata e gosta de ser autónomo, o que lhe permitiu também uma mais fácil e maior adaptação à nossa sociedade. Ele adora Portugal, é extremamente cuidadoso e exigente consigo próprio. Costuma dizer que só gostava que fôssemos menos burocráticos, mas quem não gostaria”, descreveu então a diretora do projeto Benfica Olímpico.

Antes do corte de relações entre ambos, a responsável ‘encarnada’ descrevia-o como apreciador de música e de filmes em casa, assinalando-lhe o “enorme sentido de humor”.

“As prioridades para ele são sempre a família e a sua profissão, por esta ordem. É muito focado e disciplinado. Além dos títulos e das medalhas, tem um objetivo muito forte que é o de bater o recorde do mundo como cidadão português”, revelou Oliveira nos anteriores Jogos. O sonho, no entanto, terá de esperar.

AMG/JP // JP

Lusa/Fim

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