Óbito/Madalena Iglésias: A cantora que se considerou uma mulher à frente do seu tempo

Madalena Iglésias, que morreu hoje aos 78 anos, afirmou em 2008 à agência Lusa que esteve à frente do seu tempo e que, por ser bonita, teve de trabalhar que “nem um animal”.

“O ‘muito bonita’ perseguiu-me toda a vida, criou-me o complexo de que fosse só isso. E, como tal, trabalhei que nem um animal, tentei superar-me, estudei, aprendi idiomas, fiz exames no Conservatório, para melhorar o meu trabalho e a mim própria como pessoa”, disse a cançonetista.

Vencedora do Festival RTP da canção em 1966, com a canção “Ele e ela”, Madalena Iglésias disse à Lusa que, na altura, “estava à frente dez anos” do seu tempo, “pelas orquestrações, pelo guarda-roupa e pela forma de estar em palco”.

“O que fazia era inovador para o nosso país. Eu sentia-me, e sentiram-me, sempre adiantada ao meu tempo”, frisou.

O ano de 1964 foi determinante para a cantora. Venceu o Festival Hispano-Português de Aranda del Duero, em Espanha, estreou-se no cinema, ao lado de António Calvário, no filme “Uma Hora de Amor”, de Augusto Fraga, e voltaria ao grande ecrã em “Canção da Saudade”, de Henrique Campos.

Em 1966, novamente ao lado de Calvário, protagonixou “Sarilho de Fraldas” (1967), de Constantino Esteves.

Madalena Lucília Iglésias do Vale, nascida na freguesia lisboeta de Santa Catarina, começou, incentivada pelo pai, o empresário José Rodrigues do Vale, a cantar no Coro da Orquestra Popular, em 1954. Dois anos depois, ingressou no Centro de Preparação de Artistas da então Emissora de Nacional (EN).

Como profissional estreou-se em 1957, na EN, e em agosto do ano seguinte, atuou no popular programa “Serões para Trabalhadores”, em Almada, acompanhada pela Orquestra Ligeira da EN, dirigida pelo maestro Fernando de Carvalho.

Neste mesmo ano gravou o seu primeiro disco, um EP, que incluía as canções “Talvez”, “Sim ou Não”, “Sou Tua” e “De Degrau em Degrau”.

Segundo a autora da fotobiografia da cantora, Maria de Lourdes de Carvalho, logo nos finais da década de 1950, Madalena Iglésias era “considerada uma das grandes revelações da música portuguesa”.

Em 1959, fez a estreia como compositora, sendo autora da música para um poema de Jerónimo de Bragança, “O Futuro o Dirá”, que levou aos ecrãs da RTP.

A partir de então, passou a ser uma “presença constante” nas rádios, na televisão e em espetáculos em todo o país.

O seu primeiro contrato internacional foi assinado em 1959. Levou-a a atuar em Espanha, na televisão espanhola, RTVE, e na rádio La Voz de Madrid, tendo sido uma das suas madrinhas Paquita Rico (1929-2017).

Segundo Maria de Lourdes Carvalho, foi então “o início do prestígio” que veio a alcançar junto público espanhol e, mais tarde, sul-americano, destacando-se a Venezuela, onde atuou sucessivamente entre 1961 e 1972.

Recebeu um Guaicaipuro de Ouro e foi condecorada pelo Governo de Caracas, como deu conta a imprensa da época.

Sobre a relação com a Venezuela, da qual afirmou guardar “as melhores recordações”, referiu que, num dos contratos que teve com uma emissora de rádio e televisão, fez “40 espetáculos em 15 dias”.

À Lusa, a cantora realçou a sua carreia internacional, tendo sido distinguida, em 1966, em Palma de Maiorca, no sul de Espanha, com o Prémio Hispanidade com a canção “Vuelo 502”.

“Tinha o complexo da beleza e quis demonstrar que não era só pela beleza que tinha uma carreira internacional extraordinária”, sublinhou.

Madalena Iglésias deixou os palcos portugueses em 1970, mas “a sua agenda internacional era muito maior e ainda continuou, depois de se casar, devido aos compromissos”, referiu a sua biógrafa, segundo a qual, Madalena Iglésias nunca disse “adeus aos palcos”. Reconheceu que “depois do casamento”, porém, “a carreira nunca mais foi regular”, embora tenha permanecido sempre na memória do público nacional e estrangeiro.

“Ainda me lembro de cantar grávida de oito meses da minha filha, na televisão da Venezuela, e pedir para não me focarem aquele barrigão”, recordou Iglésias.

Segundo a cantora, deixou de cantar “por volta de 1974/1975, após o nascimento dos dois filhos”.

Os portugueses voltaram a vê-la em 1979, num programa exclusivo na RTP, “Três dias em Lisboa”, mas, apesar “dos inúmeros convites”, Madalena Iglésias não voltou a cantar.

Ainda antes de se casar, em 1972, já se sentia “cansada de tantas viagens, sustos”, de “nunca estar com a família, faltar a aniversários, Natais e fins de ano”, disse à Lusa.

“A minha vida era quartos de hotel, salas de ensaio, teatros, avião, muitos sustos e estava cansada”, descreveu.

Além dos “sustos” e do “carinho do público, tanto português como estrangeiro”, Madalena Iglésias recordou desses tempos “os quilos de pautas” que levava consigo.

Madalena Iglésias regressou pontualmente aos palcos portugueses, nomeadamente em 2008 e 1991, tendo partilhado então o palco com Simone de Oliveira, numa interpretação de “Ele e Ela”.

Em 2014, Casino da Figueira homenageou-a, em reconhecimento de “uma carreia ímpar na música portuguesa que ultrapassou fronteiras”, definindo-a como uma “das mais s fulgurantes cantoras portuguesas”.

NL // MAG

Lusa/Fim

(Visited 160 times, 1 visits today)

You might be interested in