Biden enfrenta teste de fogo político com plano de estímulo nos EUA

O Governo de Joe Biden tem pela frente o seu primeiro teste de fogo político com a tentativa de aprovação no Senado, na sexta-feira, do plano de recuperação da economia norte-americana, dizem analistas.

“A forma como este pacote de estímulos for aprovada irá demonstrar que tipo de Presidente será Biden”, disse à Lusa Nuno Gouveia, especialista em política norte-americana, referindo-se ao desafio que se coloca aos democratas, que embora dominem a Câmara de Representantes e o Senado, estão numa posição desconfortável no tema da recuperação económica, com desconfianças em ambos os partidos.

O Governo do novo Presidente dos Estados Unidos desenhou um plano de 1,9 mil milhões de dólares (quase 1,6 mil milhões de euros), naquele que será o terceiro pacote de estímulos em menos de um ano, para estancar a queda do emprego e sustentar um tecido económico que dá sinais de rutura em vários setores.

Os republicanos dizem que o plano é desnecessariamente caro e excessivamente dirigido para as prioridades do novo Governo, sem ter em conta as suas reivindicações, mas dificilmente serão capazes de o travar no Senado, depois de ele ter sido já aprovado na Câmara de Representantes.

No lado democrata, Biden depara-se com as resistências da ala mais à esquerda do partido, que considera o plano muito conservador, e com as suspeições da ala mais moderada, que não se revê na estratégia cautelosa do Presidente.

O senador democrata Joe Manchin já anunciou que não vai votar ao lado da sua bancada, o que obrigará o Governo a recolher mais apoios entre os senadores republicanos.

“O problema é que este pacote é absolutamente essencial para Biden. Sem ele, toda a estratégia económica desenhada pela sua equipa cairá por terra e o Presidente já não tem tempo para formular uma alternativa”, disse à Lusa Susan Rifkin, professora de Finanças Públicas no Hunter College, em Nova Iorque.

O plano da equipa de Joe Biden inclui o envio de cheques de 1.400 dólares (cerca de 1150 euros) para cada pessoa com rendimentos até cerca de 50 mil euros por ano, que o Governo alega serem fundamentais para evitar que muitos milhares de famílias fiquem irreversivelmente endividadas.

O Governo do seu antecessor, Donald Trump, já tinha enviado cheques de cerca de mil euros (na primavera passada) e de cerca de 500 euros (em dezembro), mas nas últimas semanas aumentou a pressão pública para repetir o gesto de injetar diretamente dinheiro na economia, através do fomento ao consumo.

A oposição republicana teme que esta medida possa criar uma falsa sensação de estabilidade, que desaparecerá quando os cheques forem gastos, sem que haja criação de novos empregos, bem como sentimento de uma artificial inflação.

“Esse risco não existe. A Reserva Federal parece ter a situação bem controlada. O risco está no crescente endividamento federal, que ninguém ainda sabe como se pode travar”, alertou Susan Rifkin.

Rifkin admite que, ao final de três planos de estímulos económicos, no valor global de quase seis mil milhões de euros, os EUA estão a gastar o triplo da União Europeia, na recuperação da crise económica derivada da pandemia, mas alerta que estes números não são comparáveis.

“Na Europa, existem sistemas de apoio social, como o subsídio de desemprego, que são quase totalmente inexistentes nos Estados Unidos, o que obriga a um reforço de ajuda muito maior”, explicou a especialista.

De resto, ao nível da necessidade de apoio social reforçado, o Presidente norte-americano conta com o apoio do poder local, mesmo aquele que é controlado pelos republicanos.

“Tem havido pressão por parte de ‘mayors’ republicanos para os membros do partido aprovarem o pacote, pois eles desesperam pelos apoios previstos no plano de Biden”, explicou Nuno Gouveia, lembrando que também as sondagens estão a favor do Presidente – segundo um estudo da Morning Consult, 76% dos americanos aprovam este pacote, incluindo 60% dos republicanos.

O plano democrata inclui 350 mil milhões de dólares (cerca de 290 mil milhões de euros) para o poder local, que servirá de estímulo para atrair o voto de alguns senadores republicanos, que não quererão desgostar os seus constituintes.

O pacote de estímulo económico de Biden também prevê 246 mil milhões de dólares (cerca de 200 milhões de euros) para assistência adicional aos 11 milhões de desempregados de longa duração detetados pelas agências federais.

“Este é o aspeto em que também os republicanos não querem tocar, pelo que pode servir de ferramenta política na discussão no Senado. O Congresso ainda se lembra bem da crise social provocada pelo desemprego no ‘day after’ da crise do ‘subprime’, em 2008-2010”, disse a especialista em Finanças Públicas do Hunter College.

Susan Rifkin lembra ainda um outro ponto em que nenhum dos partidos quererá criar grande oposição ao Governo de Biden: os 70 mil milhões de dólares (cerca de 57 mil milhões de euros) para testes e vacinas contra a covid-19.

“Contudo, os republicanos estão com muitas dúvidas sobre a real necessidade de gastar 170 mil milhões de dólares (cerca de 140 mil milhões de euros) na reabertura das escolas”, explicou a especialista.

Outro tema que vai dividir democratas e republicanos é a inclusão no plano de Biden de provisões orçamentais para acomodar o aumento do salário mínimo para 15 dólares (cerca de 12 euros) por hora.

“Nos últimos dias, o novo coordenador da comissão orçamental do Senado, Bernie Sanders, tem insistido muito nesta medida. Mas os republicanos argumentam que ela não devia ser misturada com o combate à pandemia. E, se calhar, com razão…”, disse Susan Rifkin.

A estratégia de Biden pode ser a de testar a capacidade de negociação dos republicanos, em início de mandato democrata.

“Barack Obama [Presidente democrata, antecessor de Trump] nos seus primeiros dois anos tentou sempre negociar com republicanos e obter algum apoio do outro lado, tendo demorado imenso tempo a concretizar algumas reformas estruturais (…) Também Biden tem demonstrado que pretende governar negociando com os republicanos”, explicou Nuno Gouveia.

“Mas não pode ficar eternamente à espera deles”, concluiu Gouveia.

RJP // ANP

Lusa/Fim

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